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A luz do sol reflete na lâmina da katana, que está desembainhada e pronta para provar um gole de sangue. Pela forma como a samurai segura a bainha com firmeza e leveza é possível perceber que ela é experiente e paciente.
Uma combinação relativamente perigosa para quem pretende ganhar uma luta contra esta mulher.
As íris, que são da cor de um azul royal, observavam seu oponente com profunda atenção e cautela em busca de aberturas.
O silêncio que pairava entre as duas pessoas era tenso e abafado, daqueles que deixava um sabor de expectativa na boca.
No momento em que o oponente apertou os dedos na bainha de sua arma, a samurai soube que ele ia atacar. Logo, se defender do golpe foi uma questão de um simples movimento suave com seus pulsos e de abaixar o quadril, com o intuito de firmar suas pernas no chão.
O impacto das lâminas se chocando foi tão forte que fez com que o homem perdesse o equilíbrio por um momento, dando uma brecha para a samurai colocar a sua força em sua katana e o empurrar para trás.
Seu oponente não demorou muito a se recuperar, ajustando a colocação de seus pés e mantendo sua base mais firme.
A jovem percebia agora que, talvez, aquele homem não fosse tão idiota quanto pensasse. Mesmo que ele tivesse resolvido tentar matá-la só porque era uma mulher samurai — e, segundo ele, isso infringia alguma lei social do Japão e portanto era errado, além de criminoso —, o ser a sua frente tinha um certo conhecimento sobre a arte da lâmina.
Não demorou muito para o clang dos metais se batendo ressoar novamente na clareira onde se encontravam. A mulher tinha conseguido se defender mais uma vez sem muitos problemas, visto que o outro não era muito bom em disfarçar suas intenções.
Por enquanto ela não ousava tentar nenhum ataque, achando mais estratégico observar um pouco mais do estilo de luta de seu oponente e deixá-lo se cansar primeiro, uma vez que ele usava mais força do que o necessário ao manusear sua katana.
A samurai não se importava caso a luta durasse mais do que deveria. Afinal, tinha plena certeza de que cumpriria sua promessa a sua amada e que conseguiria acabar com o homem sem nenhum grande problema.
Ela poderia não ser a melhor das samurais daquela região, no entanto, isso não significava que ela não sabia segurar sua barra.
Se alguém morresse naquela tarde, com certeza não seria ela.
[—]
Enquanto a água no bule esquentava sob a pedra aquecida pelo fogão a lenha, Emma sentia seu coração sendo dominado pela preocupação a cada minuto que não via sua Asaka.
Seus dedos indicadores brincavam com a barra da manga de sua yukata, descontando o nervosismo e a ansiedade que sentia naquele momento em sua roupa.
Embora ela soubesse que namorar uma samurai fosse ser algo complicado, o que realmente a deixava inquieta era o fato de sua amada ter um péssimo senso de direção. Já havia ficado luas sem ver a mulher apenas porque Karin havia ido para a direção errada e parado em outro vilarejo.
Por esse motivo Emma tinha pedido a uma amiga que fizesse uma ronda por ali perto, com o intuito de ver se sua amada estava pelas redondezas da vila.
Já fazia um tempinho que não recebia notícias e isso estava começando a deixar a jovem estrangeira impaciente. Não que isso chegasse a mostrar em seu rosto, que permanecia com um pequeno sorriso nervoso e um olhar desfocado.
Para a sorte dela, porém, não demorou muito para ela ouvir o barulho do sininho estridente que ficava na porta da entrada da sua loja de chá — que ficava na parte da frente de sua casa.
Com um pequeno sobressalto, Emma andou apressadamente até chegar na sala onde viu que sua amiga, Yuu, entrava pela porta que separava seu estabelecimento de sua moradia enquanto carregava alguém.
O cheiro metálico de sangue logo se fez presente no cômodo, dominando o local e disfarçando o odor de poeira. Dava para ver que parte da yukata que a pessoa carregada usava estava manchada de vermelho, e, quando a japonesa colocou o corpo com delicadeza no chão, Emma viu quem era.
Sua amada Karin estava no tatame, com a roupa rasgada em algumas partes e suja de sangue, assim como algumas partes de seu corpo. As mãos da estrangeira foram automaticamente em direção a própria boca, embora nenhum som parecesse querer sair de si.
Ela já sentia a sua visão começar a borrar, os olhos acumulando as lágrimas que desejavam cair tamanho era o aperto que existia em seu peito quando sentiu o toque caloroso de sua amiga em seu pulso.
— Ei, Emma-san — A senhorita Takasaki lhe chamou a atenção, portando um sorriso calmo e um olhar esperançoso.
Somente de ver aquela expressão fez com que a dor no coração da mulher desse uma pequena aliviada.
— Não fique assim, vai deixar a Asaka-san preocupada. — A voz de Yuu era calma e suave, um cobertor aquecido diante o súbito gelo que tinha dominado o corpo de Emma.
— A Karin… Ela? — A estrangeira sequer conseguiu formar as palavras direito, falando num japonês levemente quebrado. Todavia, sua amiga apenas manteve o sorriso tranquilo nos lábios e assentiu, não tendo nenhum problema em entender a outra.
— Sim, ela está viva — Foi a resposta da senhorita Takasaki, que deu um leve aperto no pulso da outra. — Ela estava acordada quando a encontrei sentada no meio do caminho. Parecia cansada e acho que estava mancando quando viemos para cá.
Ouvir aquilo trouxe um grande alívio para Emma, de forma que ela se sentiu até meio tonta com a informação. Ao perceber que a amiga estava prestes a cair, a japonesa não hesitou em segurá-la.
Tentando recuperar o controle, ela respirou fundo, numa tentativa de se acalmar.
Karin estava viva.
Provavelmente foi uma luta difícil, visto o estado atual da mulher no tatame. E ainda assim, a Asaka fez questão de sair vitoriosa e cumprir a promessa que tinha feito a si algumas manhãs atrás: voltarei para jantar com você logo.
Com a mente mais centralizada, Emma se afastou da amiga.
— Obrigada — Ela disse, deixando um pequeno sorriso assumir seus lábios para mostrar a sua gratidão a outra. Yuu apenas assentiu, entendendo sua intenção. — Irei preparar o futon, pode levar ela pro quarto pra mim?
— Claro, sem problemas — A senhorita Takasaki concordou, já se virando para pegar novamente o corpo da samurai.
Vendo que estava tudo sob controle, Emma logo foi para o cômodo mencionado. Lá ela pegou os tecidos mais velhos que tinha e os deixou separados no cantinho da parede perto da porta.
Agora concentrada, ela sentia uma leve adrenalina passeando por suas veias enquanto pegava o colchão fino que estava do lado do armário e o pôs no chão.
Não perdeu tempo em o cobrir com os lençóis limpos que estavam dentro do armário, arrumando o futon de forma que ficasse confortável para que a sua amada não agravasse os machucados ainda mais.
Assim que Emma terminou de organizar a cama, Yuu adentrou no cômodo com o corpo inconsciente da samurai. Ignorando o estado do corpo de sua amada, a estrangeira se retirou do cômodo para poder pegar o que precisaria para poder limpar e cuidar de Karin.
Embora a preocupação ainda estivesse agarrada em seu coração, o fazendo bater mais rápido que o normal, a jovem só se permitiria reagir depois de ter certeza que a japonesa estava bem.
[—]
— Muito obrigada mesmo pela ajuda, senhorita Takasaki! — Emma se curvou com ênfase, querendo mostrar o quanto estava feliz e grata pela outra.
Ela sentiu as mãos de Yuu em seus ombros, todavia se recusou a olhar no rosto da mulher.
— Emma-san, não precisa me agradecer assim… — A voz da senhorita Takasaki estava com um grande tom envergonhado e sem jeito. Não era incomum que a estrangeira fosse hiper-formal em certas situações, principalmente quando elas envolviam uma certa samurai.
Isso não significava que a japonesa não era pega de surpresa em todas elas, porém.
— Eu não sei o que faria se tivesse de olhar pela Karin enquanto ela estivesse nesse estado… — A voz de Emma tinha uma certa instabilidade, soando fraca e indecisa. Era óbvio o quanto ela se importava com a amada, e ver esse tipo de reação nela trouxe um pequeno e compreensivo sorriso aos lábios de Yuu.
O amor entre duas jovens era tão bonito, chegava até a aquecer o coração da japonesa.
— Não se preocupe, Emma-san — A senhorita Takasaki disse ao que pegava as mãos da estrangeira nas suas, segurando-as com delicadeza e confiança. — Mesmo que algo mais grave tivesse acontecido, você pode sempre contar comigo. É pra isso que servem amigas, certo?
A sombra que dominava as íris cristalizadas foi substituída pelo brilho de compreensão e agradecimento. Devagarinho, os cantos dos lábios da outra mulher foram subindo até se erguerem em um esplêndido sorriso.
— Sim, exatamente! — Ela concordou, sentindo-se confortada pela japonesa. — E se você precisar de alguma coisa, também não hesite em me dizer!
Yuu assentiu com a cabeça, satisfeita que havia conseguido manter Emma no presente.
— Sim, eu irei.
Elas trocaram um abraço caloroso e reconfortante, selando assim o acordo entre ambas.
— Agora preciso ir, antes que Nanazinha e Ayuzinha fiquem preocupadas com minha demora. Até amanhã, Emma-san.
A estrangeira acenou enquanto via a amiga sair pela porta.
— Até amanhã, senhorita Yuu.
[—]
Por causa do excesso de silêncio dentro do cômodo, um suspiro cansado foi barulho o suficiente para ser escutado.
— Karin, minha amada… você às vezes gosta de me deixar preocupada, né — Emma comentou, distraída enquanto afagava os fios azul escuros da samurai.
A mulher ferida dormia profundamente. Sua expressão serena mostrava o quanto estava precisando daquele descanso e sua pele agora estava limpa, sem resquício de sujeira ou sangue. Os lençóis mais grossos cobriam o resto do corpo dela, a aquecendo.
Não havia dúvidas de que a Asaka estava confortável no futon e que demoraria mais um pouco para acordar. Ainda assim, isso não impediria Emma de esperar mais um pouco antes de estar, realmente, com sua amada.
— Espero que você não se atrase pro jantar, irei fazer o seu favorito hoje — A estrangeira comentou, pensativa.
Ela não tinha certeza se teria todos os ingredientes que precisava no momento, mas não era como se isso fosse ser um grande problema — Karin gostava mais de comer o que era preparado pelas mãos cautelosas de Emma do que de uma refeição em específico de qualquer forma.
Com a animação começando a tomar conta do seu corpo, a deixando com os dedos coçando para preparar a refeição delas, a jovem resolveu não perder mais tempo.
Ela abaixou o rosto até poder olhar para cada pequeno detalhe na face da samurai antes de deixar um leve selo na testa de sua amada.
— Irei fazer o nosso jantar, por favor não demore até chegar em casa — Emma sussurrou para a outra, tendo um certo tom brincalhão em sua voz.
Ao se levantar e retirar-se do quarto, ela acabou não vendo quando os lábios de Karin se erguerem em um pequeno sorriso contido.