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A expressão de Ririka continuava impassível. Talvez porque a humana já estivesse acostumada a lidar com bizarrices em seu cotidiano; talvez fosse o treino imoral que tinha sido obrigada a fazer desde criança — as possíveis razões circulavam pela mente de Jabami, formando as mais complexas teorias e a trazendo nenhuma resposta.
A questão era que: a sacerdotisa do clã Momobami continuava inexpressiva. Seus lábios permaneciam retos e tensionados numa linha horizontal. Suas íris celestiais estavam frias e opacas como uma pedra de gelo, e havia a falta de rugas na pele que a fazia parecer até que a tinha fixada no crânio. Nenhuma emoção. Nenhuma dica de como ela realmente se sentia ou sobre o que pensava no momento.
E ainda que fosse excitante tentar descobrir um jeito de fazê-la quebrar, também era deveras chato ter que lidar com uma boneca russa oca.
— Você não vai durar mais que uma semana comigo... — Yumeko murmurou, subindo o seu indicador pela pele do pescoço alheio até embaixo do queixo, usando de sua unha para tentar tirar alguma reação da outra.
O máximo que conseguiu foi um franzir de sobrancelhas platinadas.
— É uma ameaça? — Até mesmo a voz de Ririka era monótona e resguardada. Polida, no tom certo para não ser ignorada todavia não para ser realmente escutada.
Irritantemente sem graça.
E mesmo assim, um sorriso lascivo e cheio de segredos ergueu os cantinhos dos lábios da demônia.
— Isso é algo que iremos descobrir, não? — O desafio que havia posto em seu tom nem se comparava com o brilho doentio que suas íris rubras deveriam estar transmitindo. Não era intenção dela tentar assustar a outra naquele momento, até porque nem duvidava de que falharia de forma espetacular.
Ela apenas queria avisar no que a sacerdotisa estava se metendo.
— Está pronta para formar o pacto? — Yumeko perguntou, por fim, enquanto levava o polegar de sua outra mão para ficar entre seus lábios. A que antes estava acariciando o maxilar da Momobami, agora se encontrava na bochecha alheia, segurando a pele macia e aquecida com pseudo gentileza.
— Sim — É a resposta de Ririka, que assente minimamente ao que ergue a palma esquerda, de forma automática e controlada.
Seus dedos da direita seguram uma pequena adaga prateada, que a humana usa da lâmina afiada para perfurar a ponta do polegar levantado.
Não demora muito para o sangue fluir do pequeno ferimento, e é a mão esquerda que Ririka oferece à demônia. Yumeko, em contrapartida, apenas furou sua pele com um de seus caninos, deixando momentaneamente o gosto ácido preencher sua língua antes de retirá-lo da boca.
Não perdendo tempo, Jabami entoa o cântico enquanto une ambas as palmas, selando os polegares e deixando o líquido vermelho se misturar por entre as distintas peles.
O vento, que antes era apenas uma breve brisa, fica mais forte e agressivo. Ele as circula, controlando as mechas de seus cabelos e as pontas do kimono da Momobami, movendo-os conforme sua vontade. Ambas ficam aprisionadas dentro do círculo de ar, que impede qualquer outro ser sobrenatural de atrapalhar o feitiço da demônia.
Durante todo o ritual Ririka permanece inexpressiva e guardada. Parecia até que não estava unificando sua alma com uma das Soberanas do Caos e da Perdição apenas porque seu clã havia mandado.
Chegava a ser levemente hilário — e digno de dó — para Yumeko.
Assim que as últimas palavras saíram de seus lábios, um lampejo de vermelho atravessou as íris da sacerdotisa.
— Agora não existe mais volta — A demônia conclui, sorrindo de um jeito que suas presas ficassem bem visíveis.
— Como o ordenado — Foi o que a Momobami comentou. E, pela primeira vez naquela conversa inteira, foi possível de se escutar o óbvio tom de cansaço disfarçado em sua voz.