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Apesar de não dever, a Aizawa normalmente surpreendia-se com os atos espontâneos da mais nova. Por conhecê-la muito bem, não existia dúvidas em si de que Sasaki era despojada; do tipo que não hesitaria em agir caso fosse necessário, segundo os ideais dela. O que não esperava era que ela fosse tomar uma atitude imediata por algo tão banal quanto umas olheiras em seu rosto.
— Ran… — A vergonha que sentia dominando seu peito, deixando-a desconfortável, fez com que sua voz soasse levemente trêmula. O calor aquecia suas bochechas, o que a fazia sentir-se ainda mais embaraçada.
Embora sua cabeça estivesse apoiada no colo alheio, Kazuha não a tinha posto ali por escolha própria. Foi a sua própria colega de quarto que havia, com muito prazer pelo que percebeu, a colocado para deitar assim que percebeu que a mais velha não parecia muito bem. Como a Sasaki tinha descoberto era um mistério para si, algo que não tinha certeza se desejava descobrir.
— Não penso que isso seja algo realmente necessário — A Aizawa murmurou, ainda sentindo-se acanhada. Com uma certa hesitação, moveu suas irises azuladas em direção a face alheia, a fim de tentar compreender o que estava passando pela mente da mais nova. Ao observar as sobrancelhas franzidas de Ran, que portava um pequeno bico desagradado nos lábios, estava evidente que ela usava sua expressão insatisfeita — a mesma que fazia quando percebia alguma comida que não gostava em seu prato.
Tendo uma melhor ideia do humor da outra, Kazuha desviou seus olhos do rostinho emburrado para evitar sentir-se culpada. Para seu azar, sabia que não iria conseguir terminar os afazeres deste dia. E ainda tinha tanto o que fazer… além de precisar terminar uns relatórios que sobraram de ontem, também deveria fazer a lição de casa da semana e montar o próximo planejamento de treinos, outra— um estalo suave trouxe a atenção da mais velha para o que estava acontecendo. Ela percebeu que existia uma pressão leve de toques pequenos, mas consistentes, em sua testa.
Lentamente, a Aizawa piscou suas pálpebras, não acreditando no que havia acabado de acontecer. A Sasaki estava dando-lhe tapinhas, como se a estivesse repreendendo por ter se distraído.
— Ka-zu-ha! — Ran a chamou, alongando a última sílaba de seu nome de forma manhosa, com um evidente tom de inconformidade. É, ela definitivamente estava a repreendendo. — Kazuha, dormir! Dormir pra acordar bem e feliz!
Um pouco atordoada — como costumava ficar quando a sua colega de quarto era quem cuidava de sua pessoa —, a Aizawa assentiu devagarinho. Apesar de sentir-se envergonhada por ouvir suas próprias palavras sendo usadas contra si, conseguiu sentir a progressão vagarosa do sentimento caloroso que dominou seu coração, fazendo-a relaxar, moderada, no colo alheio.
— Mas tem certeza que existe necessidade de eu dormir em cima de você, Ran? — A mais velha questionou, ainda sentindo-se levemente insegura de se permitir descansar. Ela sabia, através de reclamações de uma veterana, que ter alguém deitado em seu colo por muito tempo fazia com que a região ficasse dormente; e não queria que a Sasaki ficasse desconfortável. — Eu posso deitar diretamente na cama…
Sequer teve tempo de terminar de falar a sua linha de raciocínio, pois a outra lhe interrompeu, com um tom animado:
— Não, não! Kazuha precisa dormir no colo da Ran — Ela começou a explicar, com a voz soando um pouco mais alta que o normal; a alegria e determinação eram evidentes em cada palavra proferida por ela. Não tinha nenhuma abertura para negociação no jeito que sua colega de quarto falava, deixando nítido que a mais velha nem deveria tentar o fazer. — Assim a Ran vai poder proteger os sonhos da Kazuha. Igual a Yoh faz com a Ran!
Observando o brilho nas irises ocres acima de si, a Aizawa sentiu o calor em seu rosto aumentar gradativamente. Apesar de estar sem jeito, ela apenas deixou com que as curvinhas de seus lábios se erguessem em um sorriso afável. Para qualquer outra pessoa, talvez aquilo fosse algo bobo — no entanto, para Kazuha, que encontrava-se cada vez mais com dificuldades para dormir, a fala da mais nova fora um suave bálsamo em sua mente.
— Obrigada, Ran — Ela agradeceu, usando do tom singelo que era habitual quando falava com sua colega de quarto. O suave grunhido de afirmação que recebeu em resposta foi como uma melodia para seus ouvidos. Seu corpo agora já estava mais relaxado no colo alheio, o que fazia com que sentisse o peso do cansaço nele.
Dedos curtos e gordinhos enroscaram-se em suas mechas azuladas, fazendo um terno cafuné em seu couro cabeludo, a distraindo. A mais velha conseguia sentir o toque da ponta dos dígitos dela massageando levemente sua cabeça, eliminando assim os últimos resquícios de tensão que existiam em si. Era confortável receber aquele tipo de afeto e Kazuha percebeu-se desejando, egoísta, por mais um pouco dele. Provavelmente era culpa do cansaço.
Suas irises azuladas encararam sem decoro a face da Sasaki, tentando gravar em sua memória o jeito afetuoso com que era encarada pela outra. A Aizawa sentia um sentimento caloroso dentro do seu peito enquanto trocava olhar com a mais nova, algo que não sabia exatamente como nominar — apesar de deixá-la confortável e contente. De pouco em pouco, o sono foi embalando-a e suas piscadas ficaram cada vez mais lentas. Embora não soubesse o momento exato em que apagou, Kazuha não esqueceria a cena que ficou gravada em sua mente antes de fechar as pálpebras pela — provável — última vez: o sorriso doce e contente que estava portado nos lábios de Ran.
