Work Text:
O zunido da lâmina cortando o ar ressoava pela sala de treinamento. Enquanto Hannah não fosse necessária na guerra, era ali que passaria os seus dias, se preparando para poder aniquilar com os inimigos. O suor que escorria por sua face fazia uma trilha irritante por sua pele, algo que conseguia ignorar com facilidade. Suas irises douradas ganhavam um brilho peculiar toda vez que imaginava que logo poderia se banhar no sangue de seus inimigos…
Ignorando a contração em seus lábios que pareciam querer fazê-la abrir um largo sorriso, ela forçou sua aura branca com pontos negros pra fora de sua espada. No momento em que movimentou a arma em um arco longo, seu poder fluiu pelo local até bater com um estrondo na parede. Ela conseguiu sentir uma presença familiar se aproximando e não hesitou em virar-se na direção da pessoa.
— Hannah — A voz robótica que estava acostumada a escutar soava levemente animada.
— Mary — Respondeu, deixando um suave sorriso dominar os seus lábios. A mulher coberta por panos pretos ainda era um enigma em termos de aparência, todavia isso não impedia sua personalidade de aparecer e ser conhecida. Desde que tinha sido salva pela necromante, a mestre espadachim a via com respeito e carinho. Era difícil não gostar da outra, que apesar de ingênua, era uma pessoa incrível de ter ao lado.
Antes que pudesse questioná-la se precisava de alguma coisa, o sutil movimento dos panos se mexendo fez com que observasse os braços alheios. A manga tecido preto subiu um pouco, revelando um par de mãos pálidas com teias negras fechadas. Mary segurava algo e obviamente queria lhe mostrar o que era. Hannah esperava que não fosse uma pedra ou folha, não achava que conseguiria fingir interesse por muito tempo se esse fosse o caso.
— Quando vi isso aqui, me lembrei de você.
Assim que a voz robótica ressoou pelo local, a necromante abriu as palmas lentamente, não demorando a mostrar um objeto dourado em suas palmas. A mestre espadachim reconheceu que se tratava de um colar. O pingente que pertencia a ele tinha o formato de um sol; se fosse qualquer outra pessoa, acharia que a pessoa estaria zombando com a sua cara. Conhecendo Mary, porém, sabia que a mais velha estava sendo genuína. Ao analisar com mais cautela Hannah conseguiu perceber alguns pedaços desgastados que estavam enegrecidos, mostrando a baixa qualidade do acessório.
Contrário do que esperava, ver aquilo trouxe uma sensação calorenta em seu peito, algo que costumava sentir antes de lutar com alguém mais forte que si. Aquele pingente era uma bijuteria, sem o mínimo valor que poderia ser facilmente descartado — assim como ela. No entanto, diante o olhar correto, aquele colar poderia ser a coisa mais bela que existia dentre vários outros.
— O que você achou? — A voz robótica da necromante a fez perceber que estava encarando o objeto a muito tempo, pois tinha notado um suave tom nervoso nela.
Sem hesitar, ela colocou sua espada dentro da bainha que estava amarrada em sua calça. Tendo ambas as mãos livres, usou uma delas para segurar levemente um dos pulsos de Mary — espalmando sua palma na pele macia alheia — enquanto levou seu indicador a se enroscar no cordão dourado vagabundo. Erguendo o colar até que este estivesse (supostamente) em frente aos rostos de ambas, ela deixou os cantos de seus lábios se erguerem em um sorriso satisfeito.
— Eu adorei — Hannah foi direta em sua resposta ao que observava o pingente girar lentamente no ar. Ela percebeu como a outra pareceu relaxar após ouvir sua opinião, ainda que não pudesse ver nenhuma expressão por causa dos panos que a necromante vestia.
Ao passar o seu polegar levemente pela mão da mais velha, a mestre espadachim conseguiu sentir o relevo entre a maciez da pele e das veias negras que existiam ali. Eram cicatrizes que a marcavam como sobrevivente, estas que sabia também ter em uma parte de seu rosto, tornando-a semelhante a outra. Isso fez com que suas irises douradas voltassem para a palma alheia; foram aquelas mãos que salvaram a sua vida quando estava envenenada com mana morta. Ela devia a vida a Mary e sabia que a outra nunca iria cobrá-la por isso.
Tomada por um impulso, ela ergueu a palma da necromante até que estivesse diante de seu rosto. Ela escutou uma baixa arfada que sem dúvidas vinha da outra. Hannah não hesitou; guiou seus lábios até a pele macia e deixou um suave selo sob a mão dela. Ignorando o sutil espasmos dos dedos a sua frente, a mais nova disse:
— Muito obrigada — O peso que aquelas palavras carregaram era grande demais para ser apenas sobre um pingente, no entanto, a mestre espadachim não tentou se explicar ao que estava se referindo.
Era desnecessário fazer algo tão óbvio.
