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Dígitos curtos e finos deslizavam pelas cartas ao embaralhar-las com movimentos decididos e controlados. Era uma ação automática por parte de Yumeko, que já tinha o movimento gravado em sua memória muscular. Sua atenção, todavia, não estava em seus gestos; isso ficava evidente ao observar-se as irises rubras nubladas que pareciam olhar para o quadro diante de si.
A Jabami estava presa em seus pensamentos. Ou, para ser mais específico, em uma memória de algo que tinha acabado de acontecer. A cena que passava em seus olhos tinha sido presenciada por si: ela tinha estado localizada atrás de uma árvore, escondida. Não era um hábito seu stalkear sua sênior, no entanto, quando percebeu que existia uma estudante curvada a frente da Momobami, acabou encontrando-se numa brincadeira de agente secreto.
Seu cérebro havia processado até que rápido a situação, infelizmente, não foi veloz o suficiente para que conseguisse retirar-se a tempo do local. Teria sido melhor se não tivesse ficado ali… Afinal, o que havia presenciado foi uma declaração de amor. Ririka-senpai estava prestes a receber uma carta de uma aparente caloura, esta que, apesar de ter as mãos trêmulas, tinha coragem o suficiente para pedir a permissão da mais velha para que a escutasse e lhe desse uma chance.
Surpresa com o que havia escutado, Yumeko arfou. Sequer teve tempo de reagir, a voz suave de sua sênior já sugava sua atenção para o presente — como costumava fazer desde que se conheceram. Apesar de polido, o tom da Ririka-senpai era gélido; o que indicava que não era muito próxima da outra. Entretanto, o que estava rodando em loop em sua mente eram as palavras que ela tinha dito a aquela estudante desconhecida.
Me perdoe, mas não tenho interesse. Já sinto sentimentos românticos por uma pessoa.
Aquela era a primeira vez que a Jabami escutava sua sênior abordar este tópico. Quem poderia ser a pessoa que teria o coração da Momobami em suas mãos e não sabia? Pela forma como a mais velha agia, era evidente que ainda estava solteira. O que poderia a impediria de se declarar para quem amava?
O som agudo das cartas movimentando-se misturaram com as incessantes perguntas que rondavam sua mente. Estava tudo acabado para Yumeko. Se Ririka-senpai já estava apaixonada, isso queria dizer que as chances de ser rejeitada também cresciam. Todo o planejamento que estava fazendo com a Mary-san para se declarar teria de ser descartado. Não valeria a pena tentar só pra receber a mesma resposta distante e desinteressada que a aluna desconhecida.
Frustrada, ela deixa um suspiro cansado escapar de seus lábios. Não querendo mais pensar nesse assunto, Yumeko começou a distribuir as cartas nas suas mãos em cima da mesa à sua frente. Era reconfortante fazer uma ação já conhecida, algo que sempre abria a porta para oportunidades desconhecidas e misteriosas. Poucas pessoas conseguiam entender o interesse dela pelo indefinido e não-resolvido. Muitos consideram a Jabami uma doida, alguém que só se interessava pela adrenalina de uma aposta e pelas incertezas da vida.
Diferente da maioria, a Momobami tinha sido uma das poucas exceções que a entendiam. Apesar de parecer estranho uma líder de torcida inexpressiva compreender uma mera nerd, foi exatamente o que aconteceu. Conforme foi se aproximando de Ririka, melhor conseguiu ver o gap entre a forma como ela se portava e quem ela era de verdade. A mais nova conseguiu descobrir alguns lados interessantes da outra — como o jeito que ela ruboriza quando é provocada, uma visão tão deliciosa que Yumeko raramente consegue resistir a não fazer — e, em troca, foi sendo conhecida também.
E sua veterana era super interessante! A Jabami dificilmente conseguia prever as reações dela, visto que eram inusitadas na maioria das vezes, e isso tornava suas conversas com ela tão divertidas. Nunca estava entediada quando tinha a mais velha ao seu lado. Foi por não saber que tipo de resposta ganharia que tinha resolvido tentar se declarar. Mas agora que era quase certeza que seria rejeitada… que graça teria o fazer?
Pegando o montinho de cinco cartas que estava diante de si, Yumeko as virou em sua direção. Ao observá-las, suas irises rubras se arregalaram levemente. A cada naipe que via o pequeno brilho em seus olhos retornava, até que a vida estivesse de volta neles. Ela tinha um full house em mãos. Uma mão boa daquelas raramente vinha sem motivos…
Os cantinhos de seus lábios ergueram-se lentamente, transformando-se num pequeno sorriso contente. Parecia até que as cartas queriam confortá-la e lhe dar coragem para não desistir de seus planos. Sentindo um suave calor rodeando seu coração, a Jabami esticou as pernas levemente antes de reconfortar-se na cadeira que estava sentada. Talvez ela não devesse assumir que as chances de rejeição ultrapassem as de aceitação…
Afinal, mesmo que fosse 50/50, isso ainda não significaria que poderia ter certeza da resposta de sua veterana. Ririka-senpai sempre teve reações inusitadas, e esse é um dos charmes dela que a tinha encantado. Trazendo as cartas em sua mão para frente dos lábios, Yumeko começou a planejar o que deveria fazer tendo essa nova informação. Ela não poderia desistir sem sequer tentar, já que isso não fazia parte de seus princípios.
Iria se declarar para a Momobami e veria que tipo de reação conseguiria tirar dela.
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Decidida, Jabami resolveu não perder tempo e logo pôs seu plano em prática. Assim que o sinal indicando o final do período das aulas tocou, ela retirou o celular do bolso e mandou uma simples mensagem para a sua veterana. Pode me encontrar em frente aos armários de sapatos? Ao que guardava o material que tinha usado na sala, menos de cinco minutos após ter enviado o texto, tinha recebido um simples ok. Apesar da Ririka parecer seca através da resposta, a primeiranista sabia que era apenas parte do charme dela de ser curta por mensagens de texto.
Mesmo sentindo seus lábios se contraindo para se tornarem um sorriso satisfeito, Yumeko os manteve fixos em seu rosto. Aquele não era o momento de ficar boba pelas ações da outra. Ela precisava decidir como iria prosseguir com o seu objetivo!
— Por que você está sorrindo como uma maníaca? — A voz rude de Mary-san chamou sua atenção, fazendo-a perceber que estava falhando completamente em controlar sua expressão no próprio rosto.
— Apenas decidi fazer algo divertido hoje…! — Foi o que respondeu a Saotome, não querendo revelar a verdade sabendo que sua amiga tentaria convencê-la a fazer sua declaração de forma mais cuidadosa e menos espontânea. Ela sentiu o peso das irises castanhas sobre si, desconfiando de suas intenções. No entanto, parecia que a sorte estava ao seu lado.
— Quer saber? Melhor eu não me envolver ou vou acabar me atrasando pro meu encontro com a Tsuzura. — Apesar da Mary-san ter dito aquilo em voz alta, pareceu mais que estava falando consigo mesma. — Se for se meter em problemas, faça o favor de não me envolver.
A Jabami suavizou seus lábios, dando o seu melhor sorriso inocente para a outra.
— Claro, Mary-san. Não se preocupe com isso e aproveite o seu encontro com a Hanatemari-san. — Observando a forma como a Saotome estava franzindo as sobrancelhas, estava evidente que ela não acreditava em si. Sua amiga era tão desconfiada… Ela podia até ter motivos, todavia seria legal ter um pouco mais de confiança.
Querendo encurtar logo a conversa, Mary se despediu de Yumeko ainda duvidosa das palavras alheias, deixando-a na sala terminando de guardar seus materiais. Vendo-se sozinha, a primeiranista colocou a bolsa nos ombros e também se retirou do cômodo; sua cabeça já estava novamente a pensar no que deveria fazer para se declarar a Ririka-senpai. Enquanto arquitetava suas ideias, seus pés caminhavam com tranquilidade pelos corredores, indo em direção ao ponto de encontro.
Por estar distraída, acabou chegando lá mais rápido do que esperava. Percebeu isso quando escutou a voz monótona familiar de sua veterana lhe chamando.
— Yumeko — O tom da Momobami parecia soar um tanto frustrado, o que preocupou um pouco a si. Ela percebeu o suave franzir entre as sobrancelhas albinas e a forma intensa como as irises azuladas estavam encarando-a. Querendo mostrar que estava tudo bem, a Jabami ergueu os cantos dos lábios num pequeno sorriso.
— Gostaria de me acompanhar até em casa, senpai?
Sutilmente, os olhos de Ririka se arregalaram antes de ela assentir uma vez, determinada. Diante reação tão fofa, a primeiranista deixou uma pequena risadinha escapar de si.
— Vamos trocar nossos sapatos, então — Yumeko comentou, começando a caminhar em direção ao próprio armário. — Hoje gostaria de tomar um bubble tea durante o caminho, e você?
— Eu gostaria de tomar um café — A voz monótona soou um pouco mais alta do que o habitual, mostrando o interesse alheio na ideia. Sabendo que a outra também estava satisfeita com a ideia, a Jabami deixou seu pequeno sorriso se alargar em satisfação.
Se sua declaração desse errado, pelo menos ela teria como afogar sua tristeza em um chá gelado.
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Embora estivesse determinada a se declarar logo, reunir coragem para o fazer não era fácil. Com isso, mesmo após terem já comprado suas bebidas e estarem na metade delas, Yumeko sequer havia conseguido colocar seus sentimentos para fora. Era frustrante, principalmente porque ficava se distraindo com as reações da veterana e esquecia-se, no momento, de seu objetivo inicial.
Naquele instante, no entanto, ambas estavam sentadas em balanços em um dos parquinhos abandonados da região. Para um local que não era muito usado, estava até que bem conservado, de forma que não precisou de muito para convencer a Momobami a descansarem ali. Entre elas só se ouvia o barulho do farfalhar das árvores e dos murmúrios das pessoas que passavam em volta do local. A Jabami não conseguia lembrar-se qual tinha sido o assunto antes delas entrarem nesse pequeno lapso de silêncio, e provavelmente nem era tão importante assim. Mordendo o canudo entre os seus lábios, ela resolveu pôr logo para fora.
— Ririka-senpai… — Sua voz soou frágil e hesitante, o que a desagradou. Conseguia sentir o peso do olhar da mais velha, porém continuou olhando para a grama à sua frente. — Como você reagiria se eu te dissesse que gosto de você… mais do que como uma kouhai deveria sentir por uma senpai?
Um som abafado de algo caindo no chão fez com que Yumeko olhasse para o lado, vendo que o copo de cappuccino que a sua veterana estava bebendo agora se localizada pela grama, derramado. Erguendo suas irises rubras em direção a pessoa ao seu lado, pode observar o jeito como os dedos dela tremiam antes de ver a expressão apática em seu rosto. Os olhos alheios estavam arregalados e pareciam ficar brilhosos a cada segundo que passava, o que tornava o aperto no peito da primeiranista algo desconfortável de aguentar.
— Senpai…? — Dessa vez Yumeko não se importou que sua voz tivesse soado insegura e receosa.
Ela observou Ririka piscar lentamente, fazendo com que assim as lágrimas presas com suas irises azuladas escapassem por seu rosto. Não querendo mais ver aquela reação que estava deixando um gosto amargo em sua garganta — diferente do sabor cítrico de seu bubble tea —, a mais nova desviou seu olhar para a grama de novo, incomodada. Aquela expressão no rosto de sua adorada veterana conseguia ser bem pior que uma rejeição direta…
Antes que a Jabami resolvesse simplesmente levantar e ir pra casa, ela sentiu um impacto firme diante do seu rosto. Braços envolviam sua cabeça e ela conseguia sentir o peso do rosto da outra pressionado em seu couro cabeludo. O abraço que estava ganhando da Momobami era um tanto sufocante, e ela podia sentir gotas de água em seus fios negros, todavia era um sinal bem esclarecedor de que a mais velha estava bastante emocionada. Diante dessa revelação, a dor que dominava seu peito aliviou-se um pouco, deixando mais fácil de respirar.
A primeiranista liberou uma de suas mãos que estava segurando a bebida e colocou a sua palma nas costas da outra. Ela moveu-a com intenção de confortar Ririka-senpai, tentando acalmá-la para que pudessem terminar aquela conversa. Gradualmente, o corpo alheio foi relaxando a tensão e o aperto dos braços, e a sensação úmida em sua cabeça pareceu diminuir. Dedos trêmulos subiram por suas costas ao que a mais velha começou a se afastar, revelando aos poucos uma expressão receosa, porém esperançosa, dela.
— Perdão, acabei molhando o seu cabelo… — A voz monótona soava levemente envergonhada e acatada. Um tom rosado existia nas bochechas da outra, todavia as irises azuladas a encaravam com intensidade. Estava evidente que a Momobami tinha determinado-se a lhe responder com seriedade. Um sorriso suave apareceu nos lábios da Yumeko, encantada com a reação fofa alheia.
— Eu também… — Yumeko sentiu as palpitações do seu coração acelerarem ao escutar aquilo. — Também gosto de você mais do que uma senpai deveria…
Apesar das bochechas de Ririka agora estarem com um tom avermelhado escuro, ela continuava olhando para a primeiranista com a mesma intensidade e determinação de que quando havia começado a falar. Vendo a reação dela, os cantos dos lábios de Yumeko se erguerem ainda mais em um sorriso esplêndido. A dor que existia em seu coração era diferente naquele momento, pois era devido a forma como ele batia forte dentro do seu peito. Ela sentia que seu rosto estava quente, ainda assim, isso não a impediu de perguntar:
— Então isso quer dizer que agora somos namoradas, né? — Sua voz soava confiante e alegre, refletindo o que sentia dentro de si. Suas irises rubras observaram a veterana abrir a boca em um arfar, parecendo desacreditada, antes de deixar os cantinhos de seus lábios se erguerem em um sorriso contente.
— Somente se você aceitar namorar comigo.
