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Tradição e Liberdade

Chapter 6: Eclipse

Summary:

Se não fosse pela neblina que habitava dentro de si, Yue não teria dúvidas de que se sentiria culpada — se era por preocupar alguém de sua tribo ou se era pelo que iria fazer, ela não saberia dizer.

Notes:

essa fic quase fez um ano. mAAAS aqui esto eu, com o próximo capítulo !! e com isso, só falta o epílogo, weeee (que eu já comecei a rascunhar, então não fiquem nervosos em ter de esperar ainda mais, oof)

espero que quem ainda acompanhar essa fic fique agradade com o desenrolar dessa capítulo, a

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

As íris azuladas de Yue estavam focadas em uma rachadura do copo de barro que segurava. Tinha algo ali, naquela linha partida quase escondida pela pintura, que chamava a sua atenção de uma forma inexplicável. Ela sequer percebia que a textura fria do objeto estava começando a gelar seus dedos, contrastando com a fumaça que saía do líquido dentro dele. 

— Senhorita Yue? 

Piscando lentamente, a albina se voltou para a outra mulher que também estava no cômodo. O olhar curioso que recebia da serva lhe fez franzir as sobrancelhas em confusão, não entendendo o porquê de estar sendo observada daquele jeito.

Já fazia uns dias que sua cabeça parecia mais lenta que o normal. Ela se via distraída, não conseguindo acompanhar as conversas com outras pessoas e tudo o que sentia dentro do peito era um leve batimento arrítmico — nenhum sentimento desagradável ou intenso se localizava por ali.

— Pois não? — Yue finalmente respondeu, ignorando o fato de ter ficado quieta por mais tempo do que o necessário.

A serva apenas inclinou a cabeça, ficando ainda mais confusa. Pela forma como ela pressionou os lábios numa linha reta, a albina suspeitava que a outra estivesse estranhando um pouco o seu comportamento.

— Estava apenas querendo dizer que estou feliz em te ver mais sorridente — A voz dela parecia estar animada, embora uma parte de seu tom soasse aliviado.

Yue sentiu seus lábios se esticarem em um sorriso frágil. Um dos lados bons de estar tão devagar quanto uma tartaruga era que suas expressões forçadas ficavam mais naturais para os outros.

— Deseja mais alguma coisa além desse chá, senhorita?

— Não, obrigada — A albina respondeu, sendo o mais gentil possível. — Você já me deu tudo o que eu precisava.

A serva assentiu, alegre, provavelmente pela "melhora" no humor de sua princesa. Se não fosse pela neblina que habitava dentro de si, Yue não teria dúvidas de que se sentiria culpada — se era por preocupar alguém de sua tribo ou se era pelo que iria fazer, ela não saberia dizer.

[—]

— Perdão? — A voz de Pakku soava descrente, combinando com sua expressão chocada. Seus lábios estavam curvados para baixo em incredulidade e suas sobrancelhas arqueadas, obviamente não compreendo o que estava acontecendo naquele momento.

O caçador achava que tinha escutado algo errado, porque o que tinham lhe dito não fazia sentido. Aquela situação estava muito estranha para o seu gosto — em seu estômago conseguia sentir um desconforto, como se seu corpo tentasse lhe dizer que tinha informação faltando naquele quadro mental que havia montado.

— Minha filha está morta, Pakku. — O tom de finalidade com que as palavras haviam sido proferidas pelo líder de Shuilang foi incômodo. Um leve aperto em seu peito se fez presente, fazendo com que o caçador se apiedasse de seu amigo.

Ele balançou a cabeça em negação, tendo dificuldade em compreender a notícia. Era verdade que Yue estivesse mais distraída, parecendo não escutar quando falavam consigo. Vez ou outra o brilho do seu olhar se atenuava, parecendo ficar opaco, e ela agia de forma mais lenta e desastrada do que normal.

Ainda assim, aquilo estava longe de indicar um declínio na saúde dela. A princesa parecia não reclamar de dor nenhuma e sequer havia feito uma viagem para a tenda das curandeiras, o que apenas significava que continuava tão saudável quanto um urso em seu ápice da juventude.

Logo, não fazia sentido para si que ela estivesse morta.

Pakku sentiu um gosto amargo no fundo da língua, suas suspeitas do que — ou no caso, quem — poderia estar envolvido nessa situação.

Percebendo o olhar do amigo, Arnook suspirou, resignado.

— Você tem alguma opinião que gostaria de compartilhar comigo?

Embora soubesse que a pergunta viria, foi difícil não respirar profundamente ao ouvir o tom revoltado do líder. Ele sentia o peso do olhar do outro, todavia sabia que nesse caso, seria melhor não dizer o que suspeitava.

Por qualquer que fosse a razão que os irmãos de Shuijia tivessem feito aquilo, procurar guerra com a tribo-irmã não parecia ser o caminho mais indicado a seguir. Talvez se eles fossem meros membros da aldeia, procurar a verdade mais a fundo da súbita morte da princesa seria até apoiado por Hakoda — infelizmente, as pessoas de quem suspeitava eram justamente descendentes do chefe de lá.

— Meu senhor, não acho que eu tenha algo a dizer que possa te ajudar nesse triste momento — Pakku respondeu, sentindo-se levemente frustrado. Desviando suas íris castanhas de Arnook, o caçador às voltou para a lâmina de sua adaga que estava afiando antes daquela conversa ter começado.

O olhar do líder ainda permaneceu em sua pessoa por uns momentos, observando-o passar a pedra de amolar no fio de metal de forma cautelosa e diligente. Ele suspeitava que o outro estava procurando em si uma resposta que não poderia dar. 

— Pois bem — Arnook começou, novamente atraindo a atenção do caçador. — O enterro será daqui a duas horas. Ficaria grato se pudesse aparecer e me desse um pouco de sua força.

Pakku assentiu, compreensivo.

— Estarei lá.

Dando fim a conversa, o líder se virou e afastou. Suas passadas decididas amassavam a grama, fazendo um som estranhamente crocante conforme ele se distanciava do outro.

O caçador apenas suspirou, cansado.

— Yue, no que você se meteu?

[—]

A ardência nos olhos de Katara pareciam não querer deixá-la em paz. Ela sabia que o plano tinha dado certo e, ainda assim, ter visto o corpo imóvel de sua amada num bote de madeira a fez sentir-se desolada.

O seu coração estava comprimido dentro de seu peito, a dor nele ressoando pelo seu corpo e dominando sua mente de forma que não conseguia pensar em mais nada a não ser aquela cena. 

Estava vívido em sua cabeça: a forma como os longos fios brancos tinham sido alinhados no colo dela. O jeito como a túnica creme embelezava o corpo e realçava a cor parda da pele da princesa. As várias flores, de diversas cores e espécies, que a rondavam e enfeitavam o seu túmulo. Do bote indo lentamente, cada vez mais fundo pra dentro da floresta, seguindo o rio que servia de principal fonte de água para a aldeia.

Katara não se recordava das orações e nem dos discursos que a família de Yue tinha feito. Seus ouvidos tinham sido dominados por um zunido alto e irritante, deixando seu foco mais tunelado e intenso em sua amada.

La, será que aquela dor não iria deixá-la?

— Katara, presta atenção por onde anda! — Uma mão segurou firmemente em seu braço, a impedindo de tropeçar na grossa raíz da árvore que estava para fora do solo.

A jovem piscou, sentindo as lágrimas rolarem por seu rosto e sua visão ficar mais nítida. Ela percebeu que estava encarando as folhas amareladas no chão, vendo a forma como a cor escura do musgo parecia se sobressair do marrom da árvore.

Suas íris castanhas passaram sobre a terra úmida para os arbustos esverdeados, parecendo alheia e confusa em como havia parado ali enquanto procurava pelo rosto do seu irmão.

— Universo para Katara, checando — Sokka resmungou, ressaltando a última letra da palavra que falou, embora a preocupação estivesse evidente em sua voz.

Ela virou a cabeça, finalmente podendo ver a forma como o outro franzia as sobrancelhas e as pálpebras. Somente de perceber que não estava sozinha naquele momento já havia aliviado um pouco da dor que sentia em seu peito.

— Eu não consigo parar de pensar nela… — Katara admitiu, encolhendo os ombros com vergonha e tristeza.

O toque reconfortante em seu braço foi trocado pelo peso nos seus ombros ao receber um semi abraço de seu irmão. Ele a puxou para perto, de forma que a jovem pudesse esconder seu rosto nas roupas dele, se permitindo buscar conforto no calor do mais velho.

— Eu sei que não vai ser fácil continuar a nossa jornada após ter visto aquela cena… — Katara escutou ele começar a dizer, parecendo meio incerto. Sokka esfregava suas costas verticalmente, tentando mantê-la focada no presente. — Mas você sabia que aquilo iria acontecer. Não temos como dar pra trás agora, principalmente porque a escolha foi dela.

Era difícil respirar com o aperto que sentia na garganta. Ela tinha a sensação de que estava entalada, com algum tipo de objeto circular tampando ali, a impedindo de levar ar aos seus pulmões ou de falar.

O máximo que conseguiu fazer foi um doloroso ganido, como se apenas de ouvir o irmão estivesse a machucando fisicamente.

— Katara… — Ele suspirou, frustrado. Ele apertou o abraço, parecendo não saber o que mais dizer devido ao estado desolado dela. Sinceramente, nem mesmo a jovem tinha ideia do que queria escutar naquele momento. Duvidava que teria alguma frase suave ou palavra doce que pudessem retirar tamanho sofrimento de dentro do seu peito.

Ela tentou controlar a respiração, inspirando de forma irregular grandes porções de ar, buscando retirar aquele véu nublado de desespero.

— Eu sei… que tô sendo besta… mas — A mais nova começou, falando de forma trêmula. Sequer sabia se seu irmão estaria entendendo o que dizia, uma vez que seu rosto ainda estava enterrado no tecido áspero do colete dele. — Não consigo tirar a imagem dela deitada no bote da cabeça.

Ela sentiu seu irmão tensionar os ombros por uns segundos, antes de a envolver ainda mais em seus braços. De alguma forma, o excesso de pressão em seu corpo — principalmente em seu tronco, lhe dificultando ao ato de inspirar o ar da floresta — lhe ajudou a começar a acalmar. Os detalhes da cena que parecia não querer sair de seu cérebro foram se desmanchando lentamente, até que não sobrasse nada além de um grande vazio preto.

Katara percebeu que seus dedos estavam doloridos, e, com certa confusão, abriu-os. Ao soltar a camisa que estava agarrada, ela os flexionou, tentando fazer o sangue circular por eles. Conseguia agora sentir pequenas pontadas de dor por outras partes do corpo, assim como o suave tremor que existia no corpo que segurava com força.

Somente quando abriu suas pálpebras foi que percebeu que as tinha fechado, em algum momento.  Mesmo agora podendo ver, sua visão apenas alcançava as cores mortas das roupas que seu irmão vestia.

Era… reconfortante, ainda que sufocante, e saber que podia contar com Sokka para lhe dar apoio lhe deixava com o coração aquecido — ainda que não fosse a primeira vez que tomava ciência desse fato.

Os cantos de seus lábios se ergueram devagar em um sorriso cansado, embora satisfeito. Eles não tinham muito tempo para ficar assim, todavia Katara não se importaria de aproveitar mais um minutinhos naquele apertado e acalorado abraço.

[—]

Quando finalmente chegaram perto do barulho de corrente d’água, o céu já estava começando a ficar púrpura. Ainda que cansados, os dois jovens não pararam para descansar — eles continuaram andando, ignorando a dor que sentiam em seus corpos e verificando vez ou outra se estavam no ponto certo.

Após o momento sentimental entre ambos, não chegaram a trocar mais nenhuma palavra entre si que não estivesse relacionada com o objetivo atual. Conforme haviam planejado, precisavam chegar o mais perto possível do final do rio, onde ele se transformava em uma cachoeira e desaguaria num lago. Não tinha sido a intenção deles, porém, de terem sido banidos de Shuiliang. Sokka tentava não pensar em como aquele fato poderia chegar a afetar o relacionamento de ambas as tribos-irmãs, mesmo que tal informação não tivesse sido revelada para o povo local.

Ele sentiu dedos mornos envolvendo sua palma, não demorando muito para sentir um aperto na sua mão. Olhando para o lado, podia ver o brilho preocupado nas íris acastanhadas de Katara, que parecia suspeitar do que ele estava pensando.

— Deixe para pensar nas consequências quando chegarmos em casa — Opinou sua irmã, de forma decidida. — Você sabe que Arnook não é idiota de procurar por guerra contra nosso pai.

Mesmo que devesse, é o que fica implícito no ar frio da floresta. O jovem suspira, indignado. Tinha feito a merda, era verdade, entretanto isso não significava que estava realmente preparado para lidar com o que viria depois. Infelizmente, não era hora de se arrepender de ter sido impulsivo. Todos sabiam no que, ou achavam ter noção de, estavam se metendo quando concordaram em dar vida aquele plano arriscado dele.

Isso não queria dizer que seu cérebro já não estava maquinando uma forma de tentar livrá-los de uma reviravolta ruim.

— Eu sei, Katara. Só não sei se conseguiria lidar com o olhar desapontado do nosso pai ao descobrir o que fizemos.

A risadinha debochada da sua irmã era a última coisa que esperava ouvir naquele momento.

— Não fique tão encucado, ele vai entender. — Ela respondeu com tamanha convicção que por uns segundos Sokka questionou-se a jovem teria, por acaso, visto o futuro.  — E a gente ainda tem um longo caminho até chegar em casa. Até lá você já vai ter um plano mirabolante que salve a relação entre eles e a gente.

O mais velho revirou os olhos perante tal fala da irmã, ainda que se sentisse um pouco menos ansioso com o futuro. Ele devolveu o aperto na mão dela, antes de soltá-la e andar mais rápido.

— Com esses passos de tartaruga aí, não duvido que a gente chegue só ano que vem.

Antes que sua irmã pudesse retrucar, porém, um objeto passou zunindo pelo seu ouvido, efetivamente assustando a ambos. Ao checar o que tinha sido arremessado em sua direção, ele percebeu uma flecha familiar presa em tronco grosso a poucos metros atrás de si.

Com o coração batendo apressado, de forma que conseguia senti-lo pulsando no pescoço, Sokka agarrou seu querido bumerangue do esconderijo e ficou em posição de defesa. Katara não perdeu tempo em deslizar para o seu lado, contendo uma média adaga em seus dedos.

 — Quem está aí? — Ele demandou de forma defensiva, procurando com seus olhos algum sinal de quem teria tentado atacá-los. 

Um farfalhar de folhas na diagonal dianteira de onde estavam lhes chamou a atenção, de forma que os irmãos se tencionaram no chão, preparados para uma briga caso tivesse a necessidade de uma.

Dos arbustos verdes e por entre as árvores, um arco ainda erguido foi a primeira coisa que viram. Todavia, estranhamente, nenhuma flecha estava armada em sua corda. Estranhando, porém não relaxando, Sokka continuou observando a pessoa se aproximar.

O segundo detalhe que notou foi a cor castanha da pele alheia, um tom parecido com o seu, ainda que mais claro. As roupas que a desconhecida usava eram semelhantes às suas e de sua irmã, e onde deveria ter longos fios albinos cobrindo os ombros, existiam apenas alças de mochilas e pontas de mechas medianas.

Ele sentiu mais do que viu Katara relaxando ao seu lado, definitivamente reconhecendo a mulher na frente deles.

— Você…! — Foi tudo o que sua irmã conseguiu dizer, em um som levemente estrangulado, antes de deixar cair, de um jeito abrupto, a sua arma no chão.

O próprio jovem havia abaixado seu bumerangue, surpreendido com o que estava vendo naquele momento. A expressão no rosto da caçadora à frente deles era de alívio, tendo seus lábios florescendo em um sorriso frouxo e alegre. Não existia nenhuma ruga de preocupação ou tensão em sua face, apenas contentamento e satisfação. 

— Olá, caros forasteiros. Me chamo Dal — A voz suave e gentil dela chegou aos ouvidos deles, trazendo um soluço choroso de Katara e um riso desacreditado de Sokka. A ousadia daquela mulher… — Se importam se eu acompanhar vocês nessa longa viagem?

Notes:

se quisesserem gritar comigo, sugiro fazer pelo meu tumblr !!

espero que tenham gostado desse capítulo, que, dessa vez não foi betado, visse.

até ano que vem /j